sábado, 20 de junho de 2009

Ela chegava em casa com uma bomba no coração e um soluço na boca. Não sentia frio e o inverno estava muito perto.

Naquele dia, tinha entrado numa loja. Loja de letras antigas, ou pelo menos não novas. Depois ela saberia que quando entrou foi uma figura marcante. Mais marcante do que a impressão cotidiana que tinha de si mesma.

Na hora que chegou, percebeu que o rapaz atrás do balcão foi amável na recepção, mas como não estava procurando nada específico, foi então enfiando a cara nas prateleiras.

Chegou a folhear um livro que já não estava interessante, perdendo a espontaneidade numa sensação de ser observada. Ela estava na sessão de filosofia. Olhou para o lado direto e viu "Esotéricos/ Medicina alternativa". Olhou para o esquerdo e leu "Literatura alemã e francesa".

Ainda se sentindo observada, foi até a sessão das literaturas, viu alguns livros no original em francês. No fundo era só uma olhada, bem casual.

Aí achou um título que só horas depois perceberia como soava brega. Mas tinha algo de erótico nele, na contracapa, e o autor ela já tinha ouvido falar numa conversa de bar. Era pequeno e custava oito reais. Resolveu levar.

Lembrando que nesse meio tempo, o cara do balcão falou com ela três vezes: uma foi pra dizer que ela poderia deixar sua bolsa em cima de uma pequena mesa do centro, pra ficar mais à vontade. Na segunda ele levou uma pequena cadeira, para que ela pudesse se acomodar melhor, vendo a parte de baixo da prateleira. A terceira foi um comentário. "Ah, aqui os livros pegam muito pó", e disse isso limpando com a mão um dos livros, como se estivesse se desculpando pelo pó, mas ela nem tinha reparado nesse aspecto. Pensou que nenhum homem é gentil assim do nada.

Quando depois ela foi levar o livro no balcão, ele começou a comentar a morte prematura do autor. Era algo relacionado a um ferimento durante a primeira guerra mundial. Depois, ele começou, de maneira quase desarmônica, a fazer links com o seu currículo artístico pessoal.

Tanto que a chamou, naturalmente, ou querendo parecer natural, pra ir do lado dele do balcão e ver suas pinturas gravadas numa pasta do computador. Ela tinha simpatizado com ele, afinal, ele não era feio, era inteligente e falava muito bem. Além disso, uma tendência a querer o novo a motivava inconscientemente.

Eram figuras cheias de abstrações, subjetividade, planos insólitos, até surrealistas, sempre em cima de modelos nus que pousavam pra ele. A cor vermelha marcava bem principalmente os sexos. E havia pêlos pubianos, bolas caídas e pneus de barriga feminina que ela gostou.

Mas ela não estava confortável. Nem era por causa das figuras, mas pela situação. Eles estavam próximos um do outro e ela sentiu o cheiro dele e era bom. De perto, ele parecia mais velho, e era bem mais velho que ela. Tinha um olhos e um nariz que a faziam lembrar de um antigo amor platônico.

Ele era quem falava mais. Praticamente deu uma aula de arte visual pra ela. Mostrou trechos de filmes de diretores com nome difícil. As imagens era silenciosas e intensamente bonitas. Tocou-a na sua sensibilidade de começo de tarde. Ele deu pra ela um livro de fotografias de grandes estrelas do cinema do século passado, e eles olhavam as fotos e comentavam filmes e caras e bocas. Depois falaram dos apartamentos horríveis de são paulo, de insônia, travesseiros e sonhos pequenos.

Ela tinha que voltar pro trabalho, estava uns vinte minutos atrasada. O chefe já devia ter ligado, mas o celular estava esquecido em cima da sua mesa de trabalho. Ela escrevia notícias, e odiava escrever notícias. Mas enfim.

Com medo dele, não porque ele pudesse fazer algo de mal, mas de bem. Ela disse: "bom, deixa eu ir então.." e logo foi ficando sem graça, olhando pro chão, se sentindo impotente. Eles se abraçaram forte, numa intimidade que tinha nascido muito rapidamente. Aí o abraço acabou, e aí aconteceu aquela posição de eles se olharem bem de perto. Ela ficou com o rosto totalmente em brasa e tensionou os lábios.

Ele disse que tinha sido bom ter conhecido ela e foi se aproximando com a boca entreaberta. Ela virou o rosto e sentiu toda a intenção e a textura que poderia ter sido aquele beijo, se na boca. Tremeu. Se afastou. Deu um sorriso doce, se despedindo, como se nada tivesse acontecido.

Ela foi até a porta e ele foi junto. Pegou na mão dela, as mãos se apertaram, se soltaram e ela foi embora, pisando na calçada toda incomodada e excitada. Falando sozinha, em inglês, se sentindo uma personagem complicada de um filme casual que tinha visto na televisão.

A bomba no coração foi o arrependimento e o soluço foi da boca e da garganta que não conseguiam se aquietar. Depois de três dias ainda tinha soluço. Ela pensou que tinha sido cutucada naquilo que, dentro dela, mais a incitava. Querer o novo, mas ainda não o fazer. Dormiu imaginando como seria posar para ele.

8 comentários:

  1. Alô, Alô!
    Coisa pouca nada, aqui tá bem produtivo mesmo!

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  2. Muito bom! Tá escrevendo muito bem, hein, menina!
    Cheio de tensão essa história.
    Quero ler mais coisas... Beijíssimso

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  3. Que bom que está pelo menos parecendo produtivo e interessante para alguém!
    Muito muito grata pelas visitas!

    Só fiquei na curiosidade de saber quem é luciana...

    Bisou!

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  4. Luciana é Irmã de Cito!

    Oba! O outro cresceu demias, sou Trotskysta, quero a oposição, odeio burocracia! Tenho uns 10 novos aqui, mas ... sem tesão pra publicar...
    Quem sabe agora não reimpulsiono a merda toda?

    Beijos, sabe como é, não sei beijar em espanhol...
    Irmãzita disse: "É a Japa? Que linda, saudades dela!"
    Ela lembra da carona do velho (esqueci o sobrenome) até a balada (esquecemos qual foi) mas enfim, beijão!

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  5. Eu me lembro também de alguma carona de alguma balada, lá em sampa! Que supimps!
    E vê se impulsiona essa merda, carai!

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  6. Âi que artista essa Lilis viu!
    coloca mais dessas histórinhas delícias aí vai..rs
    te adoro,tanto!

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Alô, alô!